Razão, emoção e contradição alinharam na F-1.

Após o GP da Áustria espera-se o fim da contradição e que a emoção, razão de ser do esporte, prevaleça.

Por Wagner Gonzalez

Niki Lauda, herói austríaco e famoso por sua racionalidade, marcou presença no GP da Áustria (Getty Images)

Niki Lauda, herói austríaco e famoso por sua racionalidade, marcou presença no GP da Áustria (Getty Images)

Qualquer atividade humana está sujeita a erros e imperfeições pela própria natureza dos seus atores. Quando essa atividade movimenta milhões em cifrões e almas as consequências podem ser nefastas, devastadoras até. O GP da Áustria bem que poderia se encaixar nesse escopo: uma das corridas mais movimentadas e interessantes dos últimos tempos, ela teve dois jovens pilotos dividindo a primeira fila, um deles liderou a maior parte das 71 voltas da corrida (resultado completo aqui).Segunda vitória consecutiva de Verstappen na Áustria trouxe Honda ao topo do pódio (Getty Images)

Segunda vitória consecutiva de Verstappen na Áustria trouxe Honda ao topo do pódio (Getty Images)

O outro venceu de forma triplamente marcante: caiu de segundo para sétimo após uma largada péssima e em recuperação marcante assumiu a liderança batendo rodas com o pole position. Nessa balada logrou, finalmente, o inesperado: interromper o domínio dos até então invencíveis Mercedes.

A antológica disputa entre Gilles Villeneuve e René Arnoux no GP da França de 1979, em Dijon (Arquivo pessoal)

A antológica disputa entre Gilles Villeneuve e René Arnoux no GP da França de 1979, em Dijon (Arquivo pessoal)

Sob a luz do antológico GP da França de 1979, tudo isso seria plenamente aceitável e politicamente correto. Nessa corrida disputada na terra da mostarda mais famosa do mundo Gilles Villeneuve e René Arnoux completaram as últimas voltas alargando o asfalto de Dijon-Prenois e batendo rodas a cada curva dos 3.800 metros da pista a ponto de fazer todos esquecerem que o líder Jean-Pierre Jabouille caminhava para a primeira vitória do Renault Turbo. Nesses outros tempos Villeneuve e Arnoux desceram dos seus carros e foram se abraçar, sorrindo, felizes da vida.

Sebastian Vettel parece viver inferno astral. Aposentadoria ao final do ano é possível (Ferrari) 

Sebastian Vettel parece viver inferno astral. Aposentadoria ao final do ano é possível (Ferrari)

Três semanas atrás em outra pista de sotaque francês, o nome de Gilles Villenueve passou de ator principal a coadjuvante. Foi no circuito que leva seu nome, em Montreal, que Sebastian Vettel e Lewis Hamilton disputavam a liderança, o Ferrari à frente do Mercedes. Pressionado pelo inglês, o alemão erra no grampo mas mantém-se à frente por mais duas ou três voltas até que, ao iniciar a curva 4, um S de velocidade média-alta, sequência direita/esquerda, deixa a máquina vermelha escapar para a grama e volta ao asfalto, ainda ligeiramente à frente do rival. Para evitar o toque que poderia tirar os dois da prova, Hamilton vai para a área externa do traçado e continua em segundo. Voltas mais tarde os comissários desportivos da prova decidem punir Vettel com cinco segundos no seu tempo total de prova.

Amadurecimento de Charles Leclerc é a peça que falta para consagra-lo como novo líder da Scuderia (Ferrari)

Amadurecimento de Charles Leclerc é a peça que falta para consagra-lo como novo líder da Scuderia (Ferrari)

Poucas vezes uma decisão desportiva repercutiu tanto; pode-se conjecturar que o alemão da Ferrari não se esforçou para abrir cinco segundos de vantagem sobre Hamilton, que por sua vez apenas cozinhou o galo. Numerosos os que dizem que a punição foi correta, numerosos em número ainda maior contestam, algo típico nos tempos de polarização político que, infelizmente, vivemos. O fato é que privaram Vettel de uma vitória importante, uma que pode ter definido quando sua carreira vai acabar.

Falou-se em recurso, sugeriram reconsiderar a decisão, mas duas semanas depois a sétima vitória consecutiva da Mercedes nas sete primeiras provas da temporada, estava consolidada. No GP da França desse fim de semana o australiano Daniel Ricciardo recebeu duas punições de cinco segundos ao ultrapassar adversários de forma considerada duvidosa. Decisão igualmente discutível, a penalização sugeriu que alguma consistência, de contexto ainda mais discutível, estava se consolidando. No asfalto pintado em faixas multicoloridas, o fato acabaria comparado a uma ilusão de ótica.

Torcida de Max Verstappen pintou de laranja as verdes colinas austríacas (Getty Images)

Torcida de Max Verstappen pintou de laranja as verdes colinas austríacas (Getty Images)

Chegamos então às verdejantes colinas da Styria, região austríaca ao sul de Viena e hoje endereço do Red Bull Ring, cortesia do mesmo patrocinador que necessitava de um resultado excelente para manter Max Verstappen sob contrato. Vencedor da prova em 2018, o holandês moveu milhares de fãs às montanhas e colinas em torno da pista em Spielberg, presença que em certas ocasiões pode significar alguns cavalos extras no motor Honda, que voltou a triunfar na F-1 após longa e tenebrosa tentativa de reconciliação com a Mclaren.

Leclerc (E) e Verstappen disputando posição momentos antes da ultrapassagem (Getty Images)

Leclerc (E) e Verstappen disputando posição momentos antes da ultrapassagem (Getty Images)

Prova de classificação completada, Sebastian Vettel sequer teve chance de sair do box na Q-3, aqueles dez minutos que determinam os dez primeiros lugares no grid; Lewis Hamilton atrapalhou Kimi Räikkönen e perdeu o segundo lugar. Resumo da ópera, os meninos Charles Leclerc e Max Verstappen dividiram a primeira fila; o fim de semana indicava um domingo de fortes emoções e não foi diferente. Bem provável que ninguém esperava que a grande surpresa do fim de semana seria um  GP da Áustria nada nefasto. Ao cabo de hora e meia de corrida ele trouxe de volta ares de boas disputas, só faltou Verstappen e Leclerc se abraçarem no pódio. Todos torcemos para que, a partir de agora, a contradição não anule a emoção, razão de ser do esporte.

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